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LOOMER E A DESERÇÃO PELO BARULHO Em entrevista a Simon Reynolds no extinto semanário inglês Melody Maker no início dos anos 90, Robert Hampson, líder, guitarra e voz do grupo inglês Loop, dizia que a vontade dele era produzir uma música incômoda, que atingisse o ouvinte nas entranhas. E que, se fosse possível, adoraria trancar o público em uma sala e submetê-lo à hipnose das suas guitarras por horas, só pra observar o que a experiência provocaria. Os gaúchos do Loomer não demonstram vocação pro sadismo. Pelo menos até agora. Mas a música que fazem desde 2008 é do tipo que te obriga a prestar atenção, ainda que de forma involuntária. Porque incomoda quem não se dispõe a ouvir guitarras no último volume, e arrebata quem passa os dias com os ouvidos em chamas metidos dentro de alto-falantes, sedento por microfonia. Em vez de desejar trancar uma multidão em uma sala e torturá-la com ruído no último volume, como propôs Hampson, a Loomer sopra no ouvido “hey, senta, que agora você vai me ouvir”. Deserter é o segundo álbum dos gaúchos – sucede You Woudn’t Anyway (2013) -, quarto registro contando os eps Mind Drops (2009) e Coward Soul (2010). Todos lançados pela parceria independente Sinewave e Midsummer Madness, forjadas no do it yourself punk. Todos ardidos, de guitarras abrasivas, clima de festa adolescente dos anos 90, daquelas que poucas coisas sobrevivem. “Não te assusta, tá meio podreira”, disse Guilherme Figueiredo, o baterista, ao falar do disco, gravado nos estúdios Dissenso (SP) e Dub (RS), com produção, mixagem e masterização assinada pelo guitarra e voz, Stefano Fell. O que me fez lembrar de Jim Reid, na extinta revista Bizz, ainda nos anos 80, ao falar do irmão mais velho, William. “Ele sabe como usar a guitarra da maneira errada”. A Loomer também sabe. E isso é um baita elogio. É o que os heróis da Loomer fazem de melhor – My Bloody Valentine, Dinosaur Jr, Jesus and Mary Chain, Velvet Underground e similares – destroem a imagem criada em volta do instrumento para reconstrui-lo com outras possibilidades, outros sons, outras pulsações. Em “Then You Go”, faixa que abre Deserter, é como se motores de arranque afinados pra compor algum tipo de melodia agridoce se sobrepusessem uns aos outros, aumentando e reduzindo a marcha ao longo de pouco mais de 2:30 minutos. “As you wish I stay in line/All I do is wasted time/And now you go I wonder why” lamenta uma voz que vem de algum canto do álbum. Ela está no ar, dando o recado sussurrado, pronta pra escapar por algum vão na parede. Dá pra imaginar “Mind Control” tocando no rádio. Se ameaça um movimento lento nos primeiros segundo, explode em seguida nos tambores e nas guitarras, e soa como se o J.Mascis decidisse dar uma esparramada de preguiça e bigmuff na agenda etérea do Slowdive. Noisypop como pouca gente sabe fazer. “Lack” saiu como single em julho, com direito a vídeoclipe, cujas imagens sobrepostas sobre a banda lembram o vídeo de “Starsign”, de Bandwagonesque, clássico do Teenage Fanclub. Mas os pés da dupla de guitarras da Loomer, Stefano e Richard La Rosa, pisam mais forte nos distorcedores do que os de Norman Blake e Raymond McGinley no ‘quase hit’ de 1991. “Miles” encontra o pós-punk no baixo em primeiro plano e na percussão introdutória pra se retorcer em canto e contra-canto, e em guitarras que batem de frente e se fundem em um redemoinho em forma de wah-wah, até derreter em feedback, enquanto Stefano e Fernanda Schabarum constatam, resignados: “your heads are miles, miles away…/and with some time we’ll be alright (…) think harder, think fast/there’s no way, no way…” O Desertor (Deserter) é um poema herói-cômico publicado em 1774 por Manoel Inácio da Silva Alvarenga. Em um estudo rápido sobre o poeta e a obra, o escritor e professor de literatura Sérgio Alcides explica que o texto retrata uma visão da cultura literária e política do tempo em que foi escrito, cujo protagonista é um “desertor das letras”. Ao abandonar as salas de aula, faz a sátira aos costumes da época se confundir com o elogio do poder. Algo que não passa nem próximo das intenções da Loomer – o elogio do poder. Mas em dias de número de cliques e likes mais importantes do que bons discos e apresentações poderosas ao vivo – e tem site vendendo aquela inflada nos números de cliques de vídeos no YouTube e negociando plays -, lotar uma van de guitarras e amplificadores e se atirar de Porto Alegre rumo a outras partes do país – acredite, a Loomer faz isso de verdade – pra fazer barulho em locais com condições precárias e a única certeza de que a planilha da turnê vai estar no vermelho na volta pra casa, é um certo exercício de deserção. Porque, na ponta do lápis, há apenas punição. Por outro lado, a sensação de liberdade seja talvez maior que a própria vida. Por isso, a Loomer continua. Deserter sai nas plataformas digitais por aí, também em cd e, oremos, em LP no ano que vem. Filipe Albuquerque LOOMER É Arte da capa: Erick Alves LINKS PÁGINA DO LOOMER NA SINEWAVE |