THIS LONELY CROWD – Acta Obscura (2018)

RELEASE

Por Regis Garcia (The Sorry Shop/Lonely Noise Records)

Não é a primeira vez que a This Lonely Crowd atravessa o espelho. Cada um dos discos lançados até agora é, de alguma forma, uma experiência de auto-reconhecimento na qual há um esforço para que possamos enxergar além de nós mesmos para, finalmente, em algum momento, desvelarmos uma mínima sombra do que somos. Olhar no espelho é ver a si mesmo; olhar através dele é olhar para além de si mesmo, é ver cada vez mais e, ao mesmo tempo, cada vez menos. Mas como saber onde é dentro e onde é fora cada vez que se cruza a fina linha que separa a realidade do sonho?

Bem, talvez isso já não importe mais para a This Lonely Crowd.

O seu sexto disco, Acta Obscura, é mais um momento de contemplação e de aceitação do estar perdido e, ao mesmo tempo, encontrado dentro e fora de si. Antes fosse um disco de fáceis nuances, daqueles onde a dicotomia fica clara, onde dá para apontar os extremos. Mas é justamente neste ponto que a coisa é obscura: na potência da instabilidade de cada uma das doze faixas apresentadas, especialmente por ser impossível reconhecer o momento no qual começa o sonho ou o real, por nunca ficar claro quais das paisagens pertence a cada um dos reinos da percepção.

Dos pulsos rasgados dos baixos aos compassos complexos da bateria, das linhas melódicas e harmonias certeiras aos ensurdecedores ruídos, a produção minuciosa de Trushbeard I, tal qual o polimento do espelho, anuncia uma nova etapa na história sem fim da This Lonely Crowd, um momento de transição no qual o fim é sempre um passo para uma próxima e nova jornada. A poesia nonsense é a tônica da lírica e a linha condutora das vozes que emergem como pequenas rasuras que atravessam e dão vida aos discursos de línguas ancestrais, tal qual a lalingua lacaniana e seu fluxo polifônico, uma língua não arbitrária e que não depende de significação.

Dividido em dois tomos, cada um deles uma narrativa de fluxo próprio em uma espécie de associação livre de fragmentos oníricos, Acta Obscura segura o fôlego dos ouvidos alheios em um passeio por paisagens carregadas de elementos dissonantes onde já não importa chegar ao destino, mas sim o trajeto feito na tentativa de retornar para fora do espelho – ou de adentrar cada vez mais em si mesmo, tal qual um Narciso em construção de abismo, um encaixe-reflexo que rompe a própria casca na busca pela estrutura ausente, que é já tão dentro quanto fora ou, do mesmo jeito, tão fora quanto dentro.

THIS LONELY CROWD

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