February 11, 2011

Sinewave Entrevista – THIS LONELY CROWD


Foto: Divulgação

Alice no País da Distorção

This Lonely Crowd é uma banda peculiar. Formada por cinco personagens de histórias infantis (Tweedledum, Tweedledee, Humpty Dumpty, Jabberwock, Red Queen), a banda de Curitiba começou a soltar EPs no ano passado sem mostrar o rosto ou os nomes verdadeiros. Três EPs de uma qualidade impressionante para uma banda iniciante. Após meses praticando o anonimato, a banda mostrou a cara e os pedais no III Sinewave Festival, em Curitiba, fazendo um show arrebatador – e, detalhe, o primeiro e único show da banda.

Nesse bate-papo, os guitarristas Erasmo (o Humpty Dumpty) e Filipe (o Tweedledum) e a baixista Adriana (a Red Queen) contam a história da banda, o link com histórias infantis, contam a experiência do primeiro e único show e porque pretendem fazer somente um show por ano.
Por: Filipe Albuquerque

Leia no volume máximo – “Different Ways To Finish A Song”:
[audio:http://sinewave.com.br/audio/thislonelycrowd_differentwaystofinishasong.mp3]

Contem um pouco sobre a historia da banda. Alem do Erasmo, quem vem da Tristessa? Como foi a transição da antiga banda pra This Lonely Crowd?

Erasmo: Bom, a gente nem se considera uma banda. Parece uma coisa passageira demais, chamar isso de “banda”, como que se tivesse um prazo pra acabar… Mas no final das contas, eu dei uma de piloto da coisa e o Filipe virou co-piloto logo depois. Não houve bem uma transição porque, exceto por mim e pelo Filipe, que estávamos sempre tocando, os outros estavam parados há bastante tempo. E minha esposa nunca se interessou em banda.

Filipe: Eu tocava na Tristessa. Foi ótimo, tivemos bons momentos. O problema era que a banda tinha diversas músicas que, ao mesmo tempo que faziam parte de sua história, demonstravam um início no aprendizado de composição, naturalmente iamos perdendo a vontade em tocar esse material. A gente também tinha dificuldade em gravar as boas idéias que tinhamos, era sempre meio frustrante. O outro guitarrista saiu e montou uma outra banda, que é bem bacana. Depois disso ficamos em três pessoas experimentando, e sem querer meio que criando parte do conceito do que seria o This Lonely Crowd. Estávamos cheios de ideias mas sem saber direito como evoluí-las, e como resultado todo mundo se cansou. O negócio foi que o Erasmo jogou tudo que havíamos feito na Tristessa fora e recomeçou tudo do zero, o que foi a melhor coisa que ele fez. Após isso ele me ligou uns meses depois me mostrando suas novas ideias.

Do pós-rock ao shoegaze, as referências estão bem explícitas no som da banda. semelhanças vocais e de timbres com o Smashing Pumpkins são mera coincidência ou as ideias de Billy Corgan são influências?

Erasmo: Como somos extremamente metódicos e, pior ainda, obsessivos-compulsivos, sabíamos exatamente o som que queríamos produzir. Juntar Shoegaze com Post-rock é uma coisa muito legal porque você fica praticamente sem limites pra compor. Dá pra descer no inferno e voltar voando com os anjinhos no céu, e depois entrar de cabeça em uma tempestade de meteoros! Com certeza o Smashing Pumpkins é uma influência, mas muito mais por fazer parte da história do Rock dos anos 90, nossa referência mais marcante, do que pela sonoridade em si. Na verdade, tem mais a ver com “emular” o período onde aprendemos a amar música do que com qualquer outra coisa. O This Lonely Crowd é uma modesta homenagem ao que já foi feito, que nem colocar um tijolinho em uma muralha. Como já se diz faz tempo, o Rock já foi escrito.

Filipe: Acho que a influência principal fica naquela experimentação de guitarras do início dos anos 90, de tentar levar as ideias ao limite com sobreposições de guitarras e abundância de efeitos, além de ter sempre o riff como elemento propulsor. A voz está ali pra complementar o negócio apenas, não é o foco principal. Se ficar parecido com algum figurão, ficou.

Letras sobre contos de fadas, elementos literários, músicas relativamente longas, cheias de climas, entradas e saídas, ambiências… vocês se veem como uma banda conceitual?

Erasmo: Como o heavy metal também está no nosso sangue, trabalhar um conceito pra uma faixa/album é sempre uma coisa deliciosa. Mas a nossa meta acabou ficando em fazer músicas pra pessoas de 8 a 80 anos. Então, se o conceito é legal e transmite algo belo (mesmo que às vezes seja meio tristonho), vamos até o fim. É que nem o Walt Disney querendo tocar Slowdive só com um fuzz de pedal! São músicas para os nosso filhos escutarem, avós, pais. Podem nem entender ou achar barulhento, mas vão sentir que o som é puro em essência. Lembre-se que o Hans Christian Andersen, por exemplo, escrevia contos de fadas muitas vezes cruéis ou sombrios, mas que eram feitos para (e adorados por) crianças.

Filipe: Eu acho bacana essa coisa de criar uma ligação entre as coisas, conectar, deixar um conjunto coeso. Por mim sempre trabalharia com essa camada conceitual juntando tudo, mesmo que o próximo conceito não tenha nada a ver com o que estamos fazendo hoje.

Vocês sempre falaram que a banda é, ou foi até agora, uma coleção de riffs. Como é juntar toda essa coleção de riffs agora e executá-la ao vivo?

Erasmo: É isso mesmo, uma coleção de riffs! Tem um conto do Jorge Luis Borges que é a cara disso, chamado La Biblioteca de Babel: nós somos bibliotecários em uma biblioteca de riffs, a gente vai lá, pega alguns, mistura, coloca um sentido, dá nome e vida e tchamm, saiu uma música. Claro que isso pode levar poucas horas, como aconteceu com “Crash Course” (faixa nossa do primeiro EP) ou várias semanas, ficar esquecido e, de repente, nascer (como “Different Ways To Finish A Song”). Sabemos que a música ficou ok quando a gente escuta e pensa “ué, parece que isso sempre esteve aqui, só fizemos achá-la”. E quando um riff não tá casando, ou “trava”, a gente passa pra frente e deixa aquele na nossa biblioteca. Exatametente como um livro velho e empoeirado, esperando ser lido e relido. Quanto a executar ao vivo, a sensação que temos é de releitura. E dá um trabalho danado!


Foto: André Prestor

Quais as maiores dificuldades nesse processo de trabalhar as músicas para o formato ao vivo? Algumas foram rearranjadas ou mantiveram os formatos originais no primeiro show?

Erasmo: A primeira dificuldade foi reaprender a tocar, pois esquecemos muita coisa; depois, veio a dificuldade de fazer o arranjo, pois trabalhamos em cima de overdubs de guitarra, então tem músicas com 6, 8 trilhas diferentes. Algumas são mais diretas, como “In Winter When Songs Are Gone”, que fizemos praticamente ao vivo, mas outras são muito complicadas, como “Could Move The Stars”. A nossa ideia pro show foi tocar o mais fiel possível, com mínimas variações, apenas o necessário pra esquentar o som mesmo.

Filipe: A maior dificuldade pra mim é a “gestão de recursos” do negócio: analisar o número de guitarras de cada música, número de efeitos e o que temos disponível por integrante.

E como foi essa primeira apresentação?

Erasmo: Foi emocionante, com certeza um momento singular para cada um de nós cinco. Quando as cortinas abriram e o pessoal começou a gritar, parecia que a batalha já estava ganha. Reforçou mais ainda o meu conceito de que show do This Lonely Crowd tem que ser raro mesmo, tipo um por ano, para sair caprichado em todos os aspectos. Assim a gente pode se empenhar bastante. Não somos profissionais, nem nunca quisemos isso, mas com esforço e dedicação, a coisa sai!

Adriana: Foi um desafio imenso fazer esse show. Eu era contra porque, pra gravar, a gente junta tudo devagarinho, se ficou ruim, repete e regrava, sem pressa, sem estresse. Ao vivo é tudo diferente… mas valeu demais pois fomos prestigiados de uma maneira muito bonita pela plateia. E deu pra todo mundo evoluir bastante tecnicamente. Antes, durante e depois. Dá até pra chamar os cinco de banda!!

Filipe: Tocar ao vivo dá uma trabalheira que a gente sabe que matematicamente não compensa. Dá mais resultado fazer spam na internet do que ficar fazendo trilha sonora pro happy hour da moçada. Mas o festival da Sinewave foi uma festa maneiríssima, só banda bacana e um público que foi pra curtir a música. Se a gente conseguir fazer nego curtir um show como a gente curte os ensaios, está ótimo.

Como sentiram a resposta do público?

Erasmo: Foi fabuloso, tinha gente cantando as músicas. E finalmente viram nossas caras. Claro que isso não era importante, mas agora o pessoal viu que a gente existe. O Elson e o Luiz chegaram no local e não sabiam quem eram a gente, imagine só [N. do E.: a gente achava que a banda era fictícia haha].

Adriana: Mas também era legal ninguém saber nossos rostos. Se bem que na maioria das fotos, a gente saiu tudo borrado e olhando pro chão, assim dá pra manter o “sigilo”!


Foto: André Prestor

Como foi também fazer parte da organização de um festival como esse na cidade?

Erasmo: Foi trabalhoso. Se não fosse pela ajuda incondicional da Sinewave e do Filipe do Duelectrum, que mora/trabalha aqui, a coisa não saía. E teve um apoio violento do pessoal do Defenestrando e da Karen Koltrane Radio (que discotecou no festival), eles foram essenciais. A imprensa aqui em Curitiba também deu uma divulgada grande, jornais, sites como o Floga-se, RockinPress (que fez uma resenha linda da noite), Mondo Bacana etc e tal. Até entrevista na TV com Elson e Luiz rolou no dia. Isso só fortaleceu as microfonias do festival.

Qual a repercussão dos EPs até agora?

Erasmo: Dentro do que esperávamos, foi além. Claro, o público que gosta desse tipo de som é pequeno, mas é bem específico e é muito inspirado em ouvir e reler…er, reouvir as músicas. A gente evita fazer “spams malignos”, como diria um amigo nosso, ou ficar cutucando qualquer um, pedindo pra escutar. Então a gente joga as lasquinhas de pão no caminho e quem gosta, chega perto. A internet é fantástica nisso. Depois que vimos nossos EPs saindo nos blogs que cultuávamos, reviews em sites do outro lado do planeta, aparecendo perdidos nos TOPs da vida de 2010 e até mesmo músicas nossas sendo tocadas em festas em Chicago (?!), ficou a sensação de missão cumprida.

Filipe: Nós sabemos que estamos fazendo uma música do nosso mundinho, que apesar de ser abrangente em idade, ainda é para um público bem específico. Não dá pra todo mundo curtir o This Lonely Crowd. Acho que por isso mesmo que é bem prazeroso ouvir de cada um dizendo que está gostando, a gente sabe que está rolando uma conexão real.

Depois desse show de janeiro, pretendem agendar outros ou preferem continuar criando riffs e lançando EPs online?

Erasmo: Não, não, sem agenda. Devemos muito aos pessoal da Sinewave, então fizemos esse show pra eles, pra prestigiar o selo e pra tocar com nossos amigos. Como ainda não dá pra ir pra SP tocar, já que temos uma nenezinha com poucos meses de vida, além do fato de todos sermos ocupados demais com nossos trabalhos, plantões etc, sugerimos fazer em Curitiba o festival, e eles adoraram. Mas, quem sabe não toquemos uma vez por ano? Quem sabe não façamos um festival desses ao ar livre, em um bosque, pra todas as idades ouvirem? Curitiba também tem disso, seria fantástico. E vamos continuar fazendo riffs e lançando coisas de graça. Já estamos com uns 80% do próximo disco pronto, vai se chamar Some Kind of Pareidolia. Talvez tenha até uma cover do Black Sabbath. No finzinho de 2010 liberamos duas músicas que já estão soltas por aí.

Filipe: Em relação a agenda, se não for fria, por mim pode chamar.

Adriana: Deve sair outro sim! E tem que demorar um pouco pra acontecer e ser mais especial ainda.


Foto: André Prestor

Baixe os EPs da This Lonely Crowd:
An Endless Moment Everyday All The Time
EPhemeris
Entangled Chaos